Silvana Figueiredo Tavares




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9 de agosto de 2012

Não devemos tirar da criança o prazer de descobrir como comer, e até o prazer de brincar com a comida.


A criança come por prazer e para satisfazer uma necessidade básica: a fome. Mas algumas olham para o prato de comida sem demonstrar interesse, como uma obrigação difícil de cumprir, exigindo da mãe muita inventividade e paciência para fazer com que ela aceite comer qualquer coisa. Por quê? Porque, em algum momento do seu desenvolvimento normal, perturbaram a sua satisfação de comer.
Isso pode acontecer de muitos modos.
Bebês raramente recusam comida e é sempre evidente o prazer que eles têm mamando. A não ser por doença, bebês têm sempre apetite e comem prazerosamente. O adulto é que costuma interferir no hábito que a criança tem de comer e beber com prazer, criando problemas para a alimentação da criança pequena.
A falta de apetite (anorexia) ocorre geralmente quando a criança tem entre 1 e 3 anos. As causas mais freqüentes:
Falta de percepção da mãe. A criança com 1 ano tem apetite muito menor que o bebê. É uma programação genética. No primeiro ano de vida o bebê triplica de peso. Entre 1 e 2 anos precisa aumentar de peso apenas 20% (passa de aproximadamente 10 quilos para 12. Há meses em que não aumenta de peso e isso é normal, mas as mães, habituadas com o crescimento do bebê, pensam logo em doença e forçam a alimentação. É um erro, que pode provocar reação. E quanto maior for a insistência da mãe, mais a criança se sente agredida e mais vai reagir, até recusar-se a comer.
Quando essa mesma criança, na puberdade, precisar comer mais e realmente passar a fazê-lo, a mãe provavelmente vai criticar.
Quando a preocupação da mãe é muito grande, alguns médicos chegam a receitar um tônico, um remédio para aumentar o apetite da criança. É um erro, porque a receita vai aumentar na mãe a convicção de que a falta de apetite é uma doença. De mais a mais, muitos dos estimuladores de apetite são perigosos, provocam hipoglicemia, sonolência ou agitação. Nenhum livro sério de medicina recomenda esse tipo de remédio, mas eles são muito prescritos e vendidos no Brasil.
Outro problema é que os resfriados e as gripes são muito comuns nesse período, e eles fazem diminuir o apetite. Quando a criança fica curada, depois de três a sete dias, ela tem fome acima do habitual, durante alguns dias. É uma compensação, para que ela recupere rapidamente o que perdeu, e logo ela volta ao apetite habitual.
Também é uma fase em que algumas crianças movimentam-se pouco, principalmente as que são extremamente entregues aos cuidados da televisão. A criança nessa idade deve ter a oportunidade de viver ao ar livre, de correr, jogar bola, praticar exercícios físicos. Aí sim ela tem fome. Mas sedentária, sentada diante da televisão, não só vai comer menos como vai querer comer aquelas coisas anunciadas na tevê, geralmente as menos interessantes como alimentação infantil.
Crianças pequenas, mesmo sem capacidade de fazer os movimentos necessários para recolher a comida com a colher e leva-la à boca (o que exige controle fino dos movimentos), querem comer sozinhas. Isso deve ser incentivado, mesmo que elas façam muita sujeira. Alimentar-se sem a ajuda do adulto significa, em um primeiro momento, deixar que a criança meta a mão no prato, que se lambuze, que faça sujeira, e poucos adultos tem paciência para aturar. Eles querem que ela coma o que lhe dão na boca ou que, como em um passe de mágica, aprenda logo a segurar a colher direitinho e controle seus movimentos em direção à boca. Mais ainda: querem que ela seja rápida e que não deixe cair comida.
Comer sozinha é uma conquista importante para a criança, e não só do ponto de vista do desenvolvimento da sua capacidade manual. Comer pela própria mão é o começo da autonomia, da independência, da sua afirmação como pessoa. E é um prazer. Pois é exatamente esse prazer que a maioria dos pais nega a seus filhos.
Se a criança é reprimida, não tem liberdade, e se insistem em dar comida na sua boca, os pais estão tirando também o prazer e a aventura de comer. Se, além disso, a obrigam a comer do que não gosta, ela não pode mesmo ter prazer com a refeição e vamos começar a ter problemas na hora da comida porque é bem provável que, nesse caso, se desinteresse pelo prato e até se recuse a comer, pelo menos na hora em que a mãe quer que coma.
Quando a criança demonstra interesse e vontade de comer sozinha, deve ser incentivada e não ser reprimida. E se quer comer com as mãos, que coma, porque isso dá a ela muito prazer (como a nós, com determinados pratos). Podemos, gradativamente, ir desencorajando a criança de comer com as mãos, educando-a e fazendo com que ela entenda que certas coisas podem e até devem ser comidas com o uso das mãos, mas que os talheres foram criados para não sujarmos as mãos.
Cuidado: não insista muito no assunto limpeza, porque a preocupação excessiva com a sujeira pode tirar o prazer que a criança tem ao comer. Como escrevia Rubem Braga, comer manga com garfo e faca, civilizadamente, não dá prazer. "Manga come-se com as mãos, e quanto mais lambuzada a boca, maior o prazer".
Uma criança pequena não pode "comer como gente grande" e a fase da sujeira vai passar, naturalmente, à medida que ela ganha controle sobre os movimentos e vê como é que a família se porta à mesa. Se ela quer comer sozinha é que já está intelectualmente madura para isso. Impedi-la de comer pelos seus próprios esforços é retardar seu desenvolvimento. E se você não tem certeza de que dar de comer na boca pode tirar o prazer da comida, faça a experiência: espere estar com fome, escolha um prato de que goste muito e, na hora de comer, faça com que suas mãos sejam amarradas e que alguém lhe dê de comer na boca. Uma grande parte do prazer de comer estará perdido.
Não devemos tirar da criança o prazer de descobrir como comer, e até o prazer de brincar com a comida. Quando vovó dizia que "comida não é brinquedo" não tinha a informação que temos hoje. A criança que tem mais liberdade, que faz mais sujeira, que brinca mais, aprende mais cedo a comer direito, porque praticou mais. E, não sendo reprimida, não perdeu o prazer de comer, que é um dos maiores prazeres da vida.
Quando não come, a criança pequena não está apenas recusando o alimento. A comida, para ela, é um símbolo e ela não quer a comida porque também não quer aceitar a tirania, a imposição, a limitação, e quer de volta o prazer de comer. Se a mãe insiste, a criança aumenta a resistência e rejeita não só a comida, mas a própria mãe. As mães, talvez por instinto, sentem isso; daí a angústia que passam quando a criança não quer comer ou resiste à comida.
O pior acontece quando pais autoritários obrigam a criança a comer, a "engolir tudo", sob ameaça de castigo e até de pancada. Podem resolver o problema do momento, mas estão criando outros, maiores. Inclusive porque essa comida não faz bem à criança. Em alguns casos ela chega à vomitar.
Quando a criança percebe que há uma crise, quando os pais ficam angustiados e demonstram sua agonia, quando a hora da comida passa a ser um drama familiar, a criança dificilmente vence essa fase. Ao contrário, o problema pode fixar-se perigosamente, até porque a criança aprende a usar a comida como uma arma, como instrumento para levar vantagem, criando uma relação familiar muito ruim. Assim como o adulto não deve chantagear a criança, não deve dar oportunidade para que ela o chantageie.
Ameaças, castigos, prêmios e promessas, gracinhas e brincadeiras, tudo serve para encobrir, para disfarçar o problema, mas não resolve a situação. O que resolve é dar liberdade à criança e, se a crise já está instalada, deixar que a criança resolva por si mesma. Quando a criança percebe a ansiedade dos adultos em relação à comida, já não vê o que come como um prazer e passa a associar comer com dever, uma obrigação capaz de levar os adultos aos papéis mais ridículos e até a violência para fazê-la engolir. É evidente que isso só traz prejuízos.
Por outro lado, elogios exagerados à criança que comeu tudo podem levá-la a imaginar que só será amada se limpar o prato todas as vezes, o que provoca angústia e talvez faça com que coma demais, para ser mais amada.
Quando a inapetência ou a voracidade tem origem emocional, a primeira coisa a fazer é quebrar a tensão e a angústia que perturbam a criança. Nada de drama, de forçá-la, de castigá-la, de chantageá-la ou de suborná-la, porque só vamos agravar o problema, um problema que geralmente não existe e que os adultos é que criam para as crianças.
Em raros casos a crise pode chegar a um ponto que impeça a criança de comer. Aí, só o atendimento especializado de um psiquiatra pode resolver o problema da criança e dos pais.
Há mães que resolvem fortalecer o alimento, influenciadas principalmente pela publicidade. E tome achocolatado no leite, sorvetes com cobertura especial e sucos com aditivos. Como a criança gosta dessas coisas e seu apetite não aumentou, pode acabar reduzindo sua alimentação a apenas isso. É possível que engorde, mas vai ficar carente de sais minerais, de vitaminas e de outros elementos nutritivos, evidentemente prejudicada no seu desenvolvimento normal.
Outras cuidam de dar suplementos protéicos e vitaminas, geralmente misturados ao leite. Ou reforçam o leite de vaca com leite em pó. O resultado é que, como defesa do organismo contra o excesso de proteína, a criança não vai suportar comer carne e isso criará problemas para ela. Além disso, o excesso de vitamina pode intoxicar e tirar o apetite.
A hora de comer deve ser tranqüila, sem dramas ou comédias, sem tensão, bate-boca ou cara feia. Amor, liberdade, respeito ao paladar e ao prazer de comer, ao direito de aprender e comer sozinha e de relacionar-se com a comida, tudo isso ajuda a criança a não ter problema na hora das refeições.
Se seu filho está dentro do padrão de crescimento esperado para a sua idade e para a estatura dos pais, não invente, não se preocupe, deixe a criança comer em paz. A criança que não tem doença, que tem todos os alimentos à disposição, filha de pais baixos, é baixa e come menos porque é assim que está geneticamente programada. Ela come pouco porque é baixa, e não o contrário. É diferente da criança pobre, que come pouco e que pode ficar baixa por conta da miséria, da falta de comida e não da programação genética.
No mais, mesmo preocupada porque a criança não come, não aumente a crise: comer é uma necessidade básica e o instinto de sobrevivência da criança é tão forte que ela normalmente não corre perigo e em algum momento vai se alimentar, assim que estiver livre de pressão ou distante dos pais. Como se dizia antigamente, quem não come é porque já comeu ou ainda vai comer.

Denise Donadio Castilho